A História da Loucura

   

 

             Até o início do estudo das “aberrações humanas” ser incluído no campo da medicina há cerca de 2.500 anos na Grécia, existiam apenas alusões à loucura como comportamentos estranhos, personalidades incomuns ou desagradáveis e mesmo “possessões demoníacas” (STONE, 1999). As possessões foram uma das formas mais significativas usadas para explicar comportamentos tidos como desviantes.

              Coleman em 1973, aponta que é compreensível que a chamada loucura tenha sido explicada de tal forma já que os espíritos eram também utilizados para explicar como por exemplo, o raio e o trovão.

A loucura era considerada, de um modo geral, uma manifestação dos deuses. O ataque epiléptico era inclusive chamado de “doença divina”. A extensão desse modo de ver o mundo abarcaria tudo o mais que não fosse por eles passível de entendimento ou explicações.

         Na antiguidade, filósofos como Platão e Aristóteles elaboravam teorias sobre a natureza da alma e de seus transtornos. Hipócrates, considerado pai da medicina e contemporâneo de Platão, acabou por sistematizar a nosologia já existente, adicionando apenas poucos conceitos. Nela constavam basicamente mania, histeria, paranóia e melancolia. Hipócrates tinha uma explicação natural para os fenômenos da personalidade que seriam influenciados por humores oriundos da terra, fogo, água e ar. Durante a Idade Média, Stone (1999, p. 32) defende que  “O que era entendido como estados mentais anormais baseado em estados humorais ou lesões anatômicas foi reformulado na linguagem dos padres e astrólogos. Fenômenos mentais aberrantes eram agora explicados em termos quase morais envolvendo referências a espíritos maus, fantasmas, íncubos e súcubos e assim por diante”

           Na Idade Média e período da contra-reforma pessoas consideradas loucas eram ditas possuídas pelo demônio e queimadas na fogueira. Na Renascença, há a volta aos valores humanistas greco-romanos e com eles indagações sobre as origens e causalidades naturais dos fenômenos mentais. São dessa época os primeiros asilos psiquiátricos, o primeiro deles oficialmente fundado em Valência na Espanha, 1410.

        BAUMGART (2006), mostra que há a retirada do doente mental da convivência com os outros homens, ele passa a ser um “desprovido”, já que a enfermidade mental resultaria com o decorrer do tempo num desaparecimento de suas funções superiores. O culto à razão disseminado nesse período renascentista e bem representado pela dúvida Cartesiana parece sentir-se ameaçado pela “não-razão” da loucura, toda ela de uma forma bem genérica passa a ser rotulada sempre como uma não verdade, o sistema cartesiano não a abarcava.

        O surgimento dos asilos por volta do século XV e XVI, no entanto, não se restringiu a internação apenas dos considerandos doentes mentais, pelo menos a princípio, era um espaço de isolamento social que engloba todas as “espécies” que fossem incomodas aos olhos da sociedade como pobres, vagabundos, presidiários, prostitutas, etc.

Esses asilos tomam lugar, muitas vezes situando-se inclusive nas mesmas instalações físicas, dos antigos leprosários da Idade Média, abandonados por um certo tempo pela regressão da lepra. Os leprosários constituem espaços “malditos” caracterizados pelo isolamento físico e social que em particular se direcionava aos leprosos. Essa herança de degredo foi repassada aos personagens antes citados (loucos) que mais tarde iriam habitar tais espaços, não para serem “tratados” e sim isolados e disciplinarizados funcionando o asilo como um terceiro poder junto ao Estado e à Polícia.

          A igreja, até então responsável por acolher, alimentar e cuidar moralmente daqueles que lá se apresentassem voluntariamente ou que para lá fossem encaminhados foi aos poucos tendo seu poder substituído pelo poder do Estado. Os asilos ficam divididos por um certo período entre esse assistencialismo eclesiástico que cuida, controla moralmente, exalta a loucura e a pobreza como divinas e o controle, disciplinarização exercidos pela burguesia nascente que vê a população dos asilos como uma mão-de-obra não-funcional, não-produtiva e nos asilos uma maneira de arregimenta-la de forma a fazer com que produza sob certos sistemas com poucos gastos além de, através desse método de “emprego” e ocupação desses ociosos, conseguir proteção social contra agitações e revoltas.

       O hospital geral não se caracteriza apenas como um “depósito” para os “inválidos socialmente” ele é antes de tudo uma instituição responsável por corrigir as “falhas morais” da sociedade, motivadas pela ameaça da desrazão ou pelo improdutividade inaceitável ao sistema de produção no qual estamos inseridos.

      Em meados de 1700, uma credibilidade ainda maior foi dada à racionalidade, com a influência da Igreja em declínio, as explorações anatômicas puderam prosseguir e desenvolver-se consideravelmente resultando em teorias neurofuncionais e anatômicas mais profundas (STONE, 1999). Nesse contexto tem-se o nascimento da Psiquiatria, que adentra os hospitais gerais instalando a hegemonia da medicina nesses espaços

       O poder exercido no interior dessas casas pertencente majoritariamente à Igreja e ao Estado esse vai passando paulatinamente à Psiquiatria que sente necessidade de validar sua presença nessa instituição. A princípio a Psiquiatria não surge como uma especialização do saber ou área da ciência médica, mas como um ramo especializado da higiene pública. Foucault (1975, p.148) traz que:

    “Antes de ser uma especialidade da medicina, a psiquiatria se institucionalizou como domínio particular da proteção social, contra todos os perigos que o fato da doença, ou de tudo o que se pode assimilar direta ou indiretamente à doença pode acarretar à sociedade. Foi como precaução social, foi como higiene do corpo social inteiro que a psiquiatria se institucionalizou.”

        Sendo assim, ainda segundo Foucault, para existir como instituição de saber necessária à sociedade a psiquiatria deveria alcançar duas condições. A primeira delas era alcançar o patamar de ciência. Para poder incluir-se no ramo da medicina codificou-se a loucura como doença, dando-lhe nosologias, patologia, prognósticos, observações, diretrizes diagnósticas, etc. Foram tornadas patológicas as condutas e traços referentes ao louco.

        Simultaneamente, foi necessário provar sua importância à sociedade o que foi feito relacionando a loucura, seu objeto de estudo, com a noção de perigo. A psiquiatria, portanto, como a maior detentora de conhecimentos sobre esse mal se torna imprescindível ao bem-estar da sociedade. Assim nasce mais um ramo da ciência.

          Portanto a conceituação de loucura varia de acordo com o momento sócio-histórico onde se atrelam os conceitos de “normalidade” e “anormalidade”, sejam esses conceitos estatística, teleológica ou ideologicamente determinados. Quando se fala em anormalidade há que se levar em conta que critérios se está utilizando. As concepções de saúde e enfermidade variam de acordo com o contexto social de onde são retirados.